O regime de escravidão, que perdurou no Brasil por quase quatro séculos, arrancou à força cerca de cinco milhões de africanos de seus territórios, deixando marcas profundas e estruturais que atravessam gerações. Mesmo após a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, o processo de abolição foi meramente formal. Sem políticas públicas que garantissem acesso à terra, educação, moradia, saúde e trabalho digno, a população negra foi abandonada à própria sorte. A abolição incompleta empurrou homens e mulheres negras para as margens da sociedade, mantendo-os em situação de vulnerabilidade e exclusão.
Durante esse longo período, homens, mulheres e crianças negras foram submetidos ao trabalho forçado e brutal, sustentando a economia colonial nas lavouras, nas cidades e em todas as atividades lucrativas da época. A lógica de exploração era perversa: jornadas exaustivas, trabalho ininterrupto e a completa negação de direitos humanos. Essa mentalidade de exploração desumana, que tratava pessoas como propriedade, ainda reverbera em práticas contemporâneas, como a escala de trabalho 6×1 (seis dias de trabalho para um de descanso), frequentemente apontada como herança da escravidão no Brasil.
O fim oficial da escravidão não significou a inserção das pessoas negras na sociedade com dignidade e igualdade. Nenhuma medida foi adotada para reparar as consequências de séculos de violência: não houve reforma agrária, indenização ou políticas de inclusão social. Esse abandono institucional perpetuou a exclusão e a marginalização da população negra, alimentando o racismo estrutural. A ideologia de inferioridade racial permaneceu enraizada, refletindo-se até hoje na violência policial, nas disparidades no mercado de trabalho, na sub-representação política e na reprodução de desigualdades históricas.
Além disso, a narrativa oficial da abolição, ao exaltar exclusivamente a figura da princesa Isabel, ignora e apaga o protagonismo das lutas negras: quilombos, revoltas e movimentos de resistência conduzidos pela própria população negra que enfrentou o sistema escravista. O Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, carrega até hoje as consequências de um processo inconcluso. A luta pela superação dessas marcas segue viva, conduzida pelos movimentos negros que reivindicam reparação histórica, igualdade de direitos e reconhecimento do papel decisivo da população negra na construção do país.
Matéria com dados da CUT Brasil